segunda-feira, 23 de março de 2009

Peabiru, a mais antiga estrada brasileira

Trecho do peabiru em Santa Catarina


"Um friso de praia debruado pelo muro das montanhas. Nenhuma Brecha ou porta que o introduzisse na largueza além serrana, o europeu estava confinado à beira mar!". Mas em São Vicente, existia uma exceção: Havia uma estrada antiga, visivelmente transitada". Oito palmos de largura a mergulhar no interior Brasileiro.

O Português, vendo que aquela estrada pouco perdia para as vias de Portugal, perguntou ao Índio?

- O quê é isto? Quem realizou este trabalho??
- Peabiru, respondera o Índio!
- E quem abriu este caminho tão longo?
- Pay Sumé, sendo tudo o que ele pode dizer...
- Pay Sumé?! Mas é de São Tomé que estão falando!

Foi necessário um milagre para explicar o que era uma técnica viária desenvolvida, atribuída por mais de duzentos anos ao apóstolo São Tomé. Viera o apóstolo a evangelizar os índios e estradar o continente, pois aquela técnica, para os portugueses, não poderia ser obra da natureza, muito menos, para eles, de um povo "não civilizado".

O Caminho foi a "porta de entrada" para a colonização da terra recém descoberta. Por ela, os europeus ganharam os sertões e fundaram Vilas, até a sua proibição por Tomé de Souza em 1.533, a qual cominava com a pena de morte aos infratores.

Só em 1.603 e por iniciativa de guaranis, veio a ser estabelecido precariamente sua utilização. Com esta abertura, voltou ao conhecimento do Peabiru, o mais importante caminho da América do Sul Oriental. "Os índios chamavam Peabiru a um caminho pré-cabralino". Escreveu Romário Martins ( na Revista Guairacá, Curitiba, 1.941 - Caminhos Históricos do Paraná).

Esse Caminho, primitiva via indígena de comunicação pré-colonial, era chamado de "Peabiru ou Peabiyú", pelos índios, e "caminho de São Tomé" pelos Jesuítas. Encontrando caminhos existentes antes da vinda dos conquistadores europeus, os jesuítas o atribuíram à intervenção do sobrenatural, e concluiram que foram feitos por milagres, com a só passagem do Apóstolo Tomé por outras partes.

Taunay nos fala sobre o trecho, extensão e utilização: "Como quer que seja, esse caminho existia e muito batido, com uma largura de oito palmos, estendendo-se por mais de 200 léguas, desde a capitania de São Vicente, na costa do Brasil, até as margens do Rio Paraná, passando pelos rios Tibaxia (Tibagi), Huyabay (Ivaí) e Piquerí".

O Peabiru fora de suma importância, seja pelo traçado que cortava o continente seja pelas personagens que por ele transitavam, ainda que considerado somente o período pós-cabralino: soldados sacerdotes, aventureiros, os artíficies de nossa América.

O Traçado

Taunay, citando mapas de Luis Antônio de Souza Botelho e Mourão, morgado de Matheus, diz que o traçado teria sido: "Saindo de São Paulo, passando por Sorocaba, pela Fazenda Botucatu que foi dos padres da Companhia, dirigindo-se a São Miguel junto ao Paranapanema e costeando este rio pela esquerda, tocando em Encarnacion, Santo Xavier e Santo Inácio, onde, de canoa descia o Paranapanema, entrava no Paraná e subia Ivinheíma até quase às suas margens; aí seguia, por terra pela Vacaria até as cabeceiras do Aguaraí ou Corrente onde, tornando-se de novo Fluvial, seguia por esse afluente até o Paraguai, pelo qual subia, etc...".

Alfredo Romário Martins esmiuça: "Era São Vicente, Piratininga, São Paulo, Sorocaba, Botucatu, Tibagi, Ivaí, Piqueri, bifurcava-se o caminho, indo um ramal para o Sul, até o Iguaçú, no ponto em que este rio, na sua margem esquerda, recebe o Santo Antônio".

Este roteiro não é em muito diverso daquele estabelecido por Batista Pereira (Carta a paulo Duarte, Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, vol. XXXVIII), "Uma picada de 200 léguas que, com duas varas de largura ia do Litoral (São Vicente) até Assunção no Paraguai, passa por São Paulo ...".

O padre Leonardo Nunes, citado por Serafim Leite (De: História da Companhia de Jesus no Brasil), fixou o marco final do roteiro iniciado na praia de São Vicente; Ao poente do Paraná, o caminho prosseguia, atingido o Peru e a Costa do Pacífico". O padre Lozano confirma-o, afirmando que pelas tributários do Rio Paraguai, o Peabiru atingia o coração do Peru. Segundo a maioria dos estudiosos, os incas a construíram. O Barão de Capanema assegura-nos que "seria essa estrada protegida por obras de defesa, devida aos incas, de cujo tempo se afirma existirem vestígios de estradas da Bolívia a até o Paraguai".


A influência do Peabiru

Se julgarmos tal caminho merecedor de tantas referências é porque não somente foi o mais importante da face atlântica da América Latina, mas também o maior varredouro cultural e civilizador. É Jaime Cortesão quem revela: "Duas grandes famílias culturais corresponderam predominantemente a esses dois sistemas de caminho: no sul, os tupis-guaranis, ao "Peabiru", no Norte, os aruaques à rede quase exclusivamente fluvial do Amazonas".

Foi pelo Peabiru que a civilização européia adentrou a oeste e subiu aos Andes. E para expressar a velocidade da penetração, basta assinalar que o galo, introduzido em 1.502 em Cananéia, aparecia já em 1.513 na Corte Incaica, assombrando-a por tal modo que o futuro reinante tomou o nome de Ataualpa, isto é, galo. "Esta rapidez na dissimilação dum elemento cultural prova quanto eram rápidas a ativas as comunicações através do continente...", admite Cortesão.

Apogeu e fim do Peabiru

A proibição de transitá-lo, baixada em 1.533, pretendeu clausurar o caminho. A primeiro de Junho de daquele ano Tomé de Souza relatava ao rei português as razões do fechamento: A fácil comunicação entre a Vila de São Vicente com as colônias Castelianas causavam um grande prejuízo à Alfandega Brasileira, resultado do contrabando, que já era exercido desde aquela época.

Tão severamente o fez que somente se conhece uma trangressão. E em 1.548, para a guerra contra o gentio Carijó, o exército se alonga de muito o caminho, velejando pelo litoral, para não desobedecer à proibição.
Foi em 1.603 quando inrromperam na Vila de São Paulo, quatro soldados Paraguaios de Vila Rica do Espírito Santo que vieram pelo Peabiru. São Paulo os festejou e à título de homenagem os fez acompanhar, na volta, por doze homens, encarregados de reconhecer as etapas, de reavivar o traçado.

Esse quase século de obediência à proibição acabara com as imponências e os cuidados, que os construtores dotaram o Peabiru. Após a revitalização do tracajado, passou a ser roteiros de religiosos, de bandeirantes, faiscadores, de contrabandistas.

O Peabiru em Botucatu

Chegando aos Campos da fazenda de Botucatu que foi dos padres da companhia defrontava a Serra, referência preferencial de todos os caminhos ao sul paulista. Chegado de Sorocaba, lançava um sub ramal na direção da cuesta. Aluísio de Almeida, nasceu e foi menino no Guareí antes de ser aluno do Seminário de Botucatu, escreveu ter conhecido o caminho e que soube utilizado com freqüência pelo Padre Estanislau de Campos, visitador anual das Fazenda Jesuíticas da região, exatamente as de Guareí e de Botucatu. Era "muito fundo" e chegava até o pé da Serra. este "pé da serra"embicava no Bairro do Alambari, galgava a morraria para vir a surgir nas alturas da capela de Santo Antônio. E estava na cidade. Até a chegada da Via Rondon já mais de um quarto do nosso século decorrido, esse era o caminho para viajantes e tropas e as primeiras levas de imigrantes europeus e americanos entrarem em Botucatu.

Sumé ou São Tomé?

A origem do cominho está amarrada ao mito Sumé. Segundo os indígenas a cada passada que ele dava, o caminho ia se abrindo. Mas, quem fora Sumé?

O mito Sumé é uma incógnita. Figura relatada em toda a extensão do Continente Americano. Sabe-se que possui muitos nomes: Sumé, Xumé, Pai Abara entre nossos índios, Quetzalcoatl na América do Norte, Sommay entre os Caríbas; no Haiti era Zemi, na América Central era Zamima., e muitos outros... mas a figura é sempre a mesma, Homem branco, longa barba, saía das águas para ensinar o cultivo da mandioca e muitas outras técnicas. Fora ouvido e estimado. Quisera legislar, moralizar, condenando a antropofagia e a poligamia, mas os homens aborreciam-se com isso. Em alguns lugares incendiaram a cabana que estaria preso; Em outros, dispararam-lhe dezenas de flechas. Também quiseram escalpela-lo. Ileso dos atentados sofridos,, aborrecido com o procedimento traiçoeiro dos beneficiados, retirou-se, andando de costas sobre as águas do mar, lago ou do grande rio de onde viera anteriormente. Desaparecia tão misteriosamente quanto aparecera. Deixou em todas as nações, a promessa de que voltaria em melhores tempos para o cumprimento final da missão que recebera.

Em 1.551, o espanhol Betanzoz recolheu dos andinos um retrato falado: "... disseram que, de acordo com a informação que possuíam, era um homem alto com roupa branca que chegava até seus pés, e que sua veste tinha um cinturão, e trazia o cabelo curto com uma tonsura na cabeça, à maneira de um padre, e que carregava na mão uma certa coisa que parecia lembrar o breviário que os padres trazem nas mãos.
Hans Stadem ("Viagem ao Brasil") narra o sucedido: "Misterioso personagem que veio do mar (...) e nessa direção desapareceu depois que, molestado por alguns, se desgostou e deu por terminada a sua missão de legislador e mestre de todos eles..."
Siggfried Huber ( "O segredo dos Incas") diz: "... pregou-lhe a palavra do bem e censurou sua imoralidade. Furiosos por verem seus excessos censurados, os camponeses se apoderaram de Tonapa, flagelaram-no e amarraram-no a três pesadas pedras. Subitamente, três magníficas águias desceram dos céus; com o bico serrado, cortaram as amarras e libertaram o prisioneiro. Tornou à paria, estendeu seu manto sobre as ondas e, vagando nele, como num barco, rumou para a praia...
Entre os botucudos, Manizes, citado por Arthur Ramos ("Introdução à Antropologia Brasileira") "...encontrou a veneração por Maré, dito "o antigo", cabeleira ruiva e estatura maior que a dos outros homens, anda à tona nas águas ou sobre as nuvens. Essa criatura porventosas ensinou os homens a servirem-se da natureza, "inventou" o botoque e as danças e fere com flexa invisível, o coração dos inimigos."

As Pegadas

Foram vistas por Nóbrega, Montoya e muitos outros, pegadas em rochas, que dariam o testemunho da passagem e dos trabalhos estradais do apóstolo São Tomé ao longo do caminho.Estas pedras gravadas em baixo relevo e sobrepintadas, identificam pontos importantes do caminho pré-histórico. Inscrições no mesmo estilo são encontradas na Bolívia e Peru, atestando a presença do herói mítico, que partiu do Brasil em direção aos Andes. Para muitos, esse sinal era um "sêlo"da engenharia Incaica, pois era desse modo, com a implantação de um pé humano, que se indicava nas estradas Peruanas, a direção e as distâncias.
Mito ou realidade, a figura de Sumé é encontrada em toda a extensão das Américas, e sê não fosse por ele, a colonização do Brasil seria bem mais difícil...

Hernani Donato - "Achegas para a História de Botucatu"